José Saramago, um blogger sem ilusões

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No lançamento de O Caderno, de José Saramago (Caminho/Fundação José Saramago), dois bloggers militantes e um acidental falaram, ontem, sobre isto de escrever em blogs. Isabel Coutinho e José Mário Silva (os militantes, claro está) alinharam perguntas sobre a especificidade de se escrever num blog e José Saramago confirmou o que já sabíamos: a existência de O Caderno, o blog onde tem escrito regularmente e cujos textos saíram agora em livro, deve-se mais à insistência de Pilar del Río do que a qualquer outro imperativo. E quando lhe perguntaram sobre o fenómeno dos blogs, essa ferramenta extraordinária que parece ter revolucionado o nosso modo de comunicar e criar, o autor simplificou: “Não há nada de extraordinário nos blogs. Sempre se fizeram coisas assim e sempre existiu uma grande necessidade de comunicar por escrito, por isso não há novidade alguma”. Se a resposta podia parecer estranha, não só porque o próprio Saramago tem um blog, mas sobretudo porque andamos todos tão entusiasmados com as hipóteses e as liberdades que esta ferramenta nos dá, as palavras seguintes tornaram-se esclarecedoras e motivo de reflexão. Saramago explicou que usa o blog porque assim lho sugeriram, e gosta de o fazer, mas fá-lo através da mesmíssima abordagem que origina os seus livros: a escrita. O blog é um mero suporte, casual, acidental, o importante é escrever com rigor, não descurar palavra alguma sob a ilusão da rapidez e da espontaneidade, fazer tudo independentemente do suporte que acolherá o seu trabalho.
Sobre a internet, que Saramago definiu, um dia, como ‘a página infinita’, o autor afirmou que “80 ou 90 por cento do que lá está não tem interesse algum, não serve para nada; mas quero deixar bem claro que os restantes 10 ou 20 por cento são absolutamente extraordinários”. E depois falou de livros, como os Essays, de Montaigne, e de descobertas juvenis que ficariam para a vida, como a obra de Ernesto Sabato (que cumpriu recentemente 98 anos e teve no texto que Saramago lhe dedicou, no blog, um dos momentos de felicidade do seu aniversário), do tempo em que escrevia nos jornais. As perguntas de alguns leitores ficaram com pouco tempo disponível, mas ainda chegou para se falar de direitos de autor na era dos downloads, de educação como algo que não é sinónimo de instrução (e tantas vezes nos esquecemos disso), das armadilhas da natureza humana e do futuro, essa nebulosa que nos alimenta a todos. E quando era já bem claro que, para Saramago, o mundo não se encerra na internet, visão que só nos pode sossegar, porque isto de comunicações virtuais e acessos instantâneos é muito bom, interessante e infinitamente potenciador de tudo e mais alguma coisa, mas ainda assim é no contacto directo com os outros que existimos melhor (acho eu), chegou a revelação: agora que Pilar sugeriu a Saramago que reduzisse o número de posts semanais de 5 para 1, durante as férias, o autor de A Viagem do Elefante ficou desapontado e até ofendido. Habituado a escrever quase diariamente, não percebeu o porquê da redução: “Estive quase para perguntar a Pilar: ‘Então, já não gostas de mim?'”. E nesse momento em que Saramago assumiu o hábito de escrever regularmente no seu próprio espaço da ‘página infinita’ e o prazer com que o faz, os dois bloggers militantes sorriram, visivelmente satisfeitos. Afinal, talvez Saramago não seja um blogger apenas acidental.

saramago1Da esq. para a dir.: Zeferino Coelho, Isabel Coutinho, José Saramago, José Mário Silva e Pilar del Río.

Nota: Ainda não percebi se a tecnologia me deixou ficar mal ou não, mas suspeito que o espaço em branco no lugar onde devia ver-se um ecrã não é uma boa notícia…

4 comments

  1. Obrigada: muy bien resumido el acto de ayer: está el espíritu y el espíritu de las cosas es lo importante. Lo demás, lo revelan las fotos. Necesitamos las palabras para sentirnos humanos en una humana tarde muy compartida.
    De nuevo, obrigada.

  2. Já lá não está… Mas onde devia ter aparecido um ecrã de vídeo, depois de ter inserido o código que me deram, ficou apenas um espaço em branco. Como não servia para nada, retirei-o.

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