Aida Gomes, Os Pretos de Pousaflores, Dom Quixote

Os regressos podem ser tão difíceis como as partidas, sobretudo quando há longos anos entre os dois. Depois de quatro décadas em Angola, Silvério regressa à aldeia portuguesa de Pousaflores, acompanhado dos seus três filhos, todos de diferentes mães angolanas. O irreconhecimento é mútuo e aí se joga parte importante desta narrativa, marcada por uma proliferação de vozes que lhe acentuam a riqueza das personagens e lhe garantem a sinfonia dos muitos olhares de que se faz a vida.

Longe da rigidez narrativa do romance histórico, Os Pretos de Pousaflores foge acertadamente do registo factual, preferindo indagar os percursos das personagens ao sabor de sonhos e desencantos, misérias e escolhas incertas. O contexto não é indiferente, e este é um livro de acentuada reflexão sobre a emigração portuguesa em África, os processos de independência e o tema dos retornados, mas onde a prosa ganha o seu verdadeiro brilho é no cruzamento de vozes que registam os seus próprios mundos. Na polifonia assegurada por Silvério, a sua irmã Marcolina, os três filhos e Deodata, a mãe da filha mais nova, revelam-se os temas que atravessam parte da história comum de Portugal e Angola. A guerra, antes e depois da independência, o convívio (e o preconceito) entre brancos e negros, os regressos, mas sobretudo as relações humanas e o modo como vão resistindo e reagindo às intromissões da história.

Sara Figueiredo Costa
(publicado na Time Out, Fev. 2011)

3 comments

  1. Não! De facto, não gostei. Se as personagem do universo angolano cumprem bem a sua função, os de Pousaflores são uma aberração – nenhum pousaflorense usa aquela linguagem nem psicologicamente foram daquele modo – estupidez de narração…

    Augusto do Vale Arganil

  2. Discordo. É um belo livro. Sobre o tema do retorno, está entre os melhores, juntamente com o “Esplendor de Portugal”.

Deixe um comentário