Festival Literário da Madeira: Mesa 1

“Éramos felizes e não sabíamos: Como a Troika influenciou os nossos dias” é o tema que abre a ronda de mesas de debate do II Festival Literário da Madeira. No palco, e perante uma sala cheia, Inês Pedrosa, José Manuel Fajardo, Patrícia Reis, Pedro Vieira e Rui Nepomuceno discutem a frase e dela partem para muitas interpretações.

Atrasada, depois de uma visita guiada à Livraria Esperança, acabei por perder a introdução de Inês Pedrosa (mas espreitem aqui ou aqui). Mas chego a tempo de ouvir Rui Nepomuceno, que não foge ao tema da crise, referindo a importância da cultura para a democracia e dando a Madeira como exemplo do que poderia melhorar se ambas as coisas crescessem lado a lado. Já Pedro Vieira ataca o tema pela perspectiva do que a felicidade pode fazer à criação literária, citando Rosa Montero (“infâncias felizes não fazem bons romancistas”) e falando da sua própria infância, onde não houve grandes infelicidades (com excepção daquela chapada que um tio terá dado ao pai, estragando uma churrascada de família…) e dissertando sobre a possível relação entre a democracia e o pós-25 de Abril e a boa literatura. Sem conclusões a partir desta hipótese, salta para a hipótese de que a presença do FMI em Portugal resulta sempre em bons romances. Será, realmente, um padrão? Merece estudo aprofundado, mas Patrícia Reis discorda da hipótese de haver uma relação unívoca entre boa literatura e momentos de crise e afirma que é necessário que exista alguma estabilidade, também financeira, mas igualmente emocional, para que se possa escrever em condições. E José Manuel Fajardo relembra que a ideia de felicidade e a noção de que todos temos direito à felicidade é uma noção que só surge na Utopia, de Thomas More, e não resiste a fomentar o debate sobre a crise que anda na boca de toda a gente e cujos responsáveis parecem ter encontrado uma maneira ágil de atribuir as suas causas a um impessoal “todos nós” (como se todos nós nos tivéssemos endividado…). Ainda que pouca gente pudesse esperar tal deriva, a conversa que decorre sobre o palco acaba no velho debate entre a forma e a mensagem, o compromisso social ou a estética. Não me interpretem mal: a discussão sobre os benefícios e os malefícios do Realismo Socialista é rica e apaixonante; eu é que não esperava que tal tema voltasse à discussão pública (ainda por cima, na bela cidade do Funchal…).

Depois de nova ronda, em que se trocam olhares sobre a crise e sobre os modos de lidar com ela (entre a inexistência de uma verdadeira liberdade de imprensa, o precariado dos ‘colaboradores’, substitutos dos ‘trabalhadores’ e a ameaça de um novo totalitarismo, em que pessoas que ninguém elegeu decidem os rumos de todos nós), Patrícia Reis insiste no seu ponto de vista e cita Agostinho da Silva: “a cultura começa em comer bem, vestir decente e ter um espaço para dormir”. E Inês Pedrosa completa a ideia, explicando que essas coisas são essenciais para que exista liberdade de pensamento, sem a qual não há cultura. Já o sabíamos, mas parece que nos falta conquistá-lo.

One comment

  1. A ideia destas Senhoras Patrícia Reis e Inês Pedrosa ,que estar na base bem,no essencial,é melhor para a literatura e para produzir pensamento livre parece-me muito melhor em termos humanos. Que estranhamente muita gente adora a desgraça e dela vive seja para escrever ou muitas outras coisas,parece-me um desvio tremendo talvez de personalidade pelo menos naquilo que me parece essencial para estar no mundo que é o respeito e solidariedade com todos os outros que estão cá como nós,que não escolheram os seus próprios caminhos e circunstâncias.

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