Visitas no Cadeirão

O Cadeirão volta a receber a visita de Pedro Moura, desta vez a propósito de Biblioteca dos Rapazes, de Rui Pires Cabral.

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Biblioteca de Rapazes. Rui Pires Cabral (Pianola)

Numa carta que escreveu a Georges Charpentier (16 de Fevereiro de 1879), Flaubert reafirmava o seu desapreço pela noção, para ele chã, de ilustração: “Gostaria de colocar no seguimento de Saint Julien o vitral da catedral de Rouen. Bastaria colorir a prancha que se encontra no livro de Langlois, nada mais. E esta ilustração agradava-me precisamente porque não era uma ilustração, mas um documento histórico. Ao comparar a imagem com o texto as pessoas diriam entre si: ‘Não compreendo nada. Como é que ele tirou isto daquilo?’”

Rui Pires Cabral já antes tirara isto daquilo, ou ajudara outros a fazer o mesmo. Em Oráculos de Cabeceira, afinal, parece-nos que um exercício aparentado às sortes virgiliae sobre uma série de livros faz com que deles se libertem novos poemas, possivelmente envoltos em acrescentos imaginativos (voltaremos a esta palavra) do autor. E no mais recente Nós, os desconhecidos, projecto que coordenou com Daniela Gomes, convidou mais de duas dezenas de escritores para tecerem novas tessituras de palavras em torno de fotografias encontradas, “anónimas” (melhor dizendo, que perderam o nome próprio). Biblioteca de Rapazes também permite, ainda que de uma forma bem diversa, a emergência de “ficções sensíveis, apazigua-/doras” (Diogo Vaz Pinto, na antologia citada) ministradas em torno de matéria friável do Nachlass da história.

As qualidades “baudelarianas” da poesia de Rui Pires Cabral já foram apontadas por poetas, críticos e ensaístas. No caso concreto de Biblioteca de rapazes, esse adjectivo deverá incluir igualmente todas aquelas facetas da atenção de Baudelaire para com o que ele entendia enquanto “modernidade”, a saber, pequenos fragmentos transitórios, objectos passageiros, belezas que não ocultam mas bem pelo contrário arvoram as suas qualidades momentâneas. É o que se depreende, por exemplo, da leitura do ensaio de Pedro Eiras num ensaio da Textos & Pretextos no. 14, mas mais potencialmente nas palavras de Manuel de Freitas, no prefácio à antologia Poetas sem qualidades, onde se confirma o “predomínio do temporal sobre o eterno” (pg. 11), que nos parece estar presidindo a este novo título.

Além dessa dimensão, também é em Baudelaire que podemos encontrar essa capacidade primitiva, infantil, sobrevivente, de ser capaz de identificar uma beleza “desvelada pelo acaso numa esquina/de arrabalde; a beleza de uma casa devoluta/que foi toda a infância de alguém,/…/a beleza condenada/que nos toma de repente” (in Oráculos). E fazê-la atravessar o espírito crítico da Imaginação, “Rainha das Faculdades” para Baudelaire, que nada tem a ver com o devaneio ou a fantasia. É esse o uso preciso que temos em mente neste livro.

Por outro lado, a associação ao poeta francês deverá contemplar todo um conjunto de referências que sublinhe a matéria, também patente neste livro, daquilo a que poderíamos chamar a “Terra da Infância” (fazendo Baudelaire irmanar assim com Pessoa, Benjamin, Schulz), uma paragem que se vai cristalizando na memória e à qual se deseja, ou pelo menos se expressa um desejo, regressar, tornando-se um espaço objectivo que influenciará os mecanismos poéticos da sua busca. Mais, os escritos de Baudelaire que versam os livros, as ilustrações, os brinquedos, destilam um vocabulário ou um ambiente que parece ser reempregue em Biblioteca dos Rapazes, que remete mais para uma modernidade antiga e nostálgica, do que para a nossa contemporaneidade, por hipótese através da exploração de mecanismos ou materialidades digitais ou outras. A colagem, o álbum de figurinhas, as próprias fontes dos materiais (indicados no fim do livro) sublinham um contexto histórico específico mas que tem sido sublinhado, ao longo do século XX, como “intemporal”. Talvez porque essa Terra da Infância, estando sempre num passado mediado pela nostalgia e um qualquer grau de conforto e segurança, nunca revelaos traços da (sua) História.

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Poderemos descrever este como um conjunto de poemas ilustrados? Ou ilustrações transformadas em poemas? Ou antes uma exploração da materialidade de livros anteriores para a moldagem de novos poemas? A ideia de materialidade, associada ao acto literário, que deve incluir a parte da sua recepção, poderá desdobrar-se em três momentos: o da produção, o do texto, o da fruição. O autor explica brevemente o primeiro, de como se muniu de tesoura (não é inocente que seja essa a imagem do cólofon) e cola para proceder às colagens de ilustrações tiradas de uma série de títulos de obras associadas a esse universo social das “Bibliotecas de Rapazes”, e que atravessam um período longo compreendido entre o século XIX e a primeira metade do século XX, mas cujos elos são relativamente coesos nesse imaginário (Stevenson, Verne, Salgari, Jean Ray). Obras que, se num momento pertenciam a uma certa marginalidade do campo literário, vão, aos poucos, sendo negociadas para o interior mesmo da ideia sobrevivente de cânone, como foi discutido em Antes das playstations, volume colectivo da Biblioteca Nacional. E não será alheio a esse movimento integrante a capacidade dos autores reformularem as suas linhas de toque, como sucede no livro de Cabral.

Mas para além desses livros, foram também alvo do seu trabalho de colheita postais, enciclopédias, fotografias anónimas, como se as recuperasse a todas de um único espaço que comungasse com aquela Terra indicada acima. As fontes não são somente literárias, mas estão subsumidas a uma comunidade que as partilha. De certa forma, esse acto de arrancar algo às páginas, aos postais, às estampas, de violentar as suas formas originais e forçá-las a novos elos, esse acto de recuperação e transformação recordam algumas das palavras que Walter Benjamin reservava aos coleccionadores: “A paixão verdadeira, profundamente incompreendida, do coleccionador é sempre anárquica, destrutiva. Pois esta é a sua dialéctica: combinar com a lealdade para com um objecto, com itens individuais, com coisas protegidas pelo seu cuidado, um protesto subversivo e teimoso contra o típico e o classificável” (Lob der Puppe). Biblioteca de Rapazes ergue o princípio do paradoxo nesse trabalho a um só tempo destrutivo mas por isso mesmo recuperador, leal, refundador. Ainda regressando a Baudelaire, e sobretudo ao poema “Le joujou du pauvre”, parece que encontramos nestes objectos de Rui Pires Cabral um encontro, nada fortuito, mas escavado, ponderado, ainda que materialmente tenha sinais de acaso, entre o brinquedo do menino rico desse poema, “verni, doré, vêtu d’une robe pourpre, et couvert de plumets et de verroteries”, e o do pobre, um rato vivo “arrancado à própria vida”.

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Uma descrição minimal falaria de um ciclo de poemas, aparentemente escritos à máquina ou até fruto de cut-ups dos próprios livros, montados sobre tiras re-organizando os fragmentos colados. Contudo, as imagens que subjazem literalmente a esses poemas não são um seu complemento ou substrato, são a sua voz de fundo, o seu baixo contínuo, o acesso ao território indiscernível do qual partiram, e ao qual vivem constantemente no perigo de retornar. “Deixou-nos um feixe/ de sombras//e um livro de versos/onde ninguém/se sente em casa” (pg. 27; mas estes sinais diagráficos são tolos exercícios de retranscrição). Talvez por essa casa ser espaço de transição, de um fluxo contínuo, mas não por isso de menos intenso e permanente convite a entrar.

A materialidade da fruição ostentar-se-á pela obrigatoriedade em manipular um livro com aspecto de pequeno álbum de figuras, pequeno objecto privado de colecção irrepetível, de sentidos apenas fornecidos por aquele mesmo que o constituiu. São como que os “tímidos animais/imaginários” (29) pelos quais passam os exploradores destes poemas, e que manifestam a largura da paisagem desvendada: “o Domínio/é o poema//que souberes/encontrar.” (11). Estes objectos, estas ilustrações, livros, fragmentos, reencenam-se numa nova vida, como as próprias bibliotecas permitem aos seus livros, a cada novo leitor, a cada nova leitura. Mas mais do que essa indeterminação de ideias ou impressionismo genérico da nossa parte, Pires Cabral recupera estas matérias da sua circulação enquanto bem comercial (a “comodificação”) para as propor como “traços mnésicos” – como veremos mais à frente – capazes de voltarem a exercer o seu papel de experiência com o leitor.

Não sendo o primeiro exercício em que um autor insufla nova vida sobre textos verbais e/ou imagéticos anteriores, construindo uma nova tessitura dos mesmos elementos – relembremos o Ernst dos roman-collage, mas igualmente A Humument de Tom Philips ou a obra de Graham Rawle (sobretudo Woman’s World) – não nos parece que Rui Pires Cabral pretenda que nos atreitemos ao fascínio de uma virtuosidade visual, secundarizando ou perdendo a convicção nas palavras, mas tampouco que as vejamos como totalmente independentes (por hipótese, declamáveis, analisáveis, reeditáveis fora deste seu objecto sem as suas particularidades materiais). Talvez queira que atendamos ao seu corpo completo (à maçã com a casca, como diria Benjamin), que não joguemos fora o seu “fundo/circunstancial”, para citar um outro seu poema, de outro livro.

Formalmente, ao nível da construção e composição visual, da materialidade textual, que se corrobora na matéria plástica dos textos e no próprio nível da diegese, como veremos, encontramos uma exploração por ritmos certos, harmonias e simetrias. É preciso fazer uma abordagem analítica (quase) exaustiva da sua estrutura, esperando que ela vá revelando alguns dos seus princípios

Cada ciclo ou corpo de poemas (“Enigmas”, “Viagens” e “Sobressaltos”) tem cinco textos, quase seguramente independentes entre si, sendo cada um deles formado por aquilo que poderíamos chamar de três estrofes visuais verticais, três conjuntos de tiras compostas pelas ilustrações recuperadas. Cada uma dessas tiras apresenta linhas no seu interior, transformando-as em três tiras menores no interior da “estrofe”, como se se tratassem de versos (se bem que o papel dos sulcos esteja a ser preenchido, com mais propriedade, por esses espaços em branco, que poderão fazer-nos recordar o espaço intervinhetal, mas não por isso menos construtor de significado, da banda desenhada, que também atravessa esta Biblioteca). Essas tiras internas têm espessuras diferentes, e a sua distribuição não é sempre idêntica. Se atribuirmos o valor 1 às tiras mais finas e 2 às mais grossas (as primeiras ca. 1 cm, as segundas 1.5 cm), temos as seguintes distribuições (cada poema tem estrofes visuais idênticas no seu interior): 1-2-1, 1-2-1, 2-1-1, 1-1-2, 2-1-1; 2-1-2, 1-1-2, 2-1-1, 2-1-2, 2-1-1; 1-1-2, 2-1-1, 1-1-2, 2-1-1 e 2-1-1. Este cômputo poderá dar, logo à partida, uma ideia de repetições ou concentrações, mas é importante notar também como são “preenchidas”. Nalguns casos as imagens atravessam horizontalmente as três tiras (em quase todos os casos 2-1-2), sendo possível discernir uma cena nessas colunas, mas na maioria dos casos, cada “metade” superior e inferior (sempre 2-1-1 e 1-1-2) é ocupada por uma cena diferente, havendo portanto duas verticalmente. Quase sempre, todas as colunas apresentam porém duas cenas verticalmente, sendo as metades unidas pelo que parece ser um padrão típico de rasgadura, e não de corte linear de tesoura, alertando para uma outra modalidade material de produção (já para não falar da “colagem” dos cartuchos com os textos). Quase sempre, pois há excepções: imagens verticalmente ininterruptas, três cenas, “metades” ininterruptas e outras “metades” com duas cenas, permitindo uma série de permutações e combinações. Nalguns casos, apercebemo-nos de que as cenas horizontais são colhidas da mesma fonte, mas sofreram uma recombinação não-linear, refazendo a imagem num breve puzzle. Poderíamos ainda continuar este exercício, que alcançaria outro nível se tivéssemos atenção para com os aspectos cromáticos ou outros (“Enigmas” tem mais fotografias, parece-nos, “Sobressaltos” apresenta uma maior intensidade de cores, “Viagens” parece tirar maior partido de ilustrações de cromolitografias e gravuras – adivinhamos as imagens de Riou e Neuville, das 20000 léguas submarinas?).

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As imagens em si estabelecem diálogos muito próprios. Que relação se estabelece entre um mostruário de borboletas, a fotografia de uma multidão e uma paisagem urbana nocturna? Seria uma forma de procurar os rasgos de Deus, citado? Ou entre uma paisagem nevada, o vasto oceano e um menino a tentar saltar de um balão (para mais, com as imagens remontadas a criarem efeitos estroboscópicos)? Tratar-se-á de uma ilustração quase chã da “digressão/pelo círculo solar” de que o irmão padecia, como se fosse uma morte?

Chegámos já às palavras? A relação entre elas e as imagens não nos parece ser, de todo, linear, referencial, ou “ilustrativa” (num sentido pejorativo em que a palavra é por vezes empregue, como no caso de Flaubert, uso que não partilhamos). A relação das imagens com os textos não é a de os secundar, e estaremos antes próximos daquelas palavras de Tsviétaieva sobre Goncharova, quando falava de uma tradução de uma matéria em outra, um “revelar outra vez, pela primeira vez”; neste caso particular, é como se Pires Cabral moldasse duas matérias a um só tempo. Seria tentador ler nas imagens referências concretíssimas, ancoradas, atoladas, às palavras que atravessam a matéria verbal dos poemas: o “Capitão” (Ned?), o “homem [que] entretinha/a nostalgia”, a “cidade concreta”, “os assaltos/do tempo e/da má sorte”… Mas o poeta admoesta-nos contra o perigo desta interpretação (e de outras igualmente formais): “Leitor,//se tiveres/ocasião,//erra/o caminho”. E é bem possível que estes caminhos por nós tentados sejam cartografados em demasia e, por isso, falhos.

Os textos – se isolarmos analiticamente a matéria verbal – não seguem as regras das estrofes visuais, apresentando-se em núcleos bem diversos. Se há casos (dois?) em que há orações – Rui Pires Cabral utiliza a pontuação, aqui, de uma maneira escrupulosa, não procurando desvios nessa dimensão – fechadas em cada estrofe, a esmagadora maioria dos poemas fá-las atravessarem essas fronteiras subtis sem pejo. Além disso, se há uns poucos poemas mais lacónicos (“Os sonhos são…”), outros apresentam uma mancha verbal mais cerrada (os de “Viagens”): seria tentador encontrar nos primeiros as pistas diegéticas para se sublinharem os sentidos das imagens, paisagens urbanas nocturnas, fotografias meio-desfocadas, e nos segundos a confirmação dos actores e dos espaços indicados, mas atentemos aos perigos.

Estamos em crer que a repetição de um termo como diegese, narrativa ou outros poderá surgir como temerário, e até mesmo como uma espécie de espartilho policial sobre a matéria poética, que se revela menos conducente a formas pré-feitas. Acima explicamos como não nos parece que este livro esteja próximo das experiências de encontro entre a poesia e certas novas tecnologias da comunicação, multimédia, mas ainda assim há uma leve possibilidade de que a ponderação de um conceito como o de database, de Lev Manovich, se poderia revelar producente. O modo como a database desobriga à hierarquia e/ou lógica linear, acumulativa da narrativa, permitiria um outro entendimento da re-articulação dos elementos, e, pela sua constituição, potencialização e promessa futura. Mas a forma como ela também se assume como uma espécie de “fundo informe”, existente à partida, a partir do qual se forma as suas várias instâncias, então é como se a Biblioteca de rapazes nos desse um breve e mágico acesso a esse mesmo fundo, através da forma imposta pelo autor. Pois este oferece-nos e convida-nos activamente a percorrê-la.

Os poemas, através de várias técnicas de interpelação directa ao narratário/leitor, exortam à participação (“Leitor…erra”, “Escuta.”, “Caminhemos.”), mas muitos deles, nascendo de obras de prosa – se aceitarmos as transformações das fontes como que mantendo uma qualquer marca sobrevivente nos novos textos -, e remetendo às “aventuras”, quer da acção quer do conhecimento, apresentam-se como breves contos, quiçá morais, com uma mão-cheia de personagens identificáveis na sua brevidade: os marinheiros que se dirigem ao Capitão e se perdem “no fundo do mar”, os homens da “primeira/expedição”, os “degredados”, o morto que conheceu os homens na cidade, os que viajavam juntos…

De facto, o resultado destas manipulações e recombinações de uma matéria primeira (ilustrações, postais, etc.) e a sua combinação com o verbo obriga toda a matéria a novas acções, imprevistas no seu momento original. Há algo que delas resta, sem dúvida, há algo que delas sobrevive (palavra que repetimos, que é empregue por Diogo Vaz Pinto no poema já citado, e ainda termo operativo de Warburg, como se sabe). Neste caso em particular, portanto, parece-nos estar em curso um uso do que se pode chamar de palimpsesto num seu sentido muito específico. Estamos a pensar na forma em que esse conceito, entendido como uma “técnica de ler histórica, intertextual, construtiva e desconstrutivamente”, é empregue por um autor como Andreas Huyssen, dando conta da acumulação de traços mnésicos num mesmo corpo: “As fortes marcas do espaço presente amalgamam-se com o imaginário com traços do passado, de apagamentos, de perdas e de heterotopias”(in Present Pasts).

Biblioteca de rapazes obriga desde logo a uma leitura multimodal, na qual se combina uma matéria grossa, espessa e lenta com estas forças mnésicas, que permitem escapar de um modo desencantado de olhar para a modernidade – “Medíocre aparência/tinha/a realidade” – para adoptar outra visão, mais complexa, e irresolúvel, atenta ao encontro entre memórias pessoais, o trabalho específico do autor, a poiética, a fabricação do mundo, e todos aqueles objectos ou acontecimentos dos textos e ilustrações originais, levando ao que se poderia chamar de “excesso de significado”. Aproximar-nos-íamos de Sebald, porventura, que em Campo Santo fala do seu fortuito e “relutante” encontro com uma edição de Saint Julien, e cuja obra abre espaços interrogativos sobre o papel da imagem, da página “auto-reflexiva” de que Louis Lühti fala na sua obrinha do mesmo nome. Isto é, não tanto espaços reservados a imagens no seio de uma obra entendida maioritariamente como literária (por oposição semântica e social a “visual”) para a criação de ilhas de descanso ou distracção cognitiva e ontológica, como muitas vezes a ilustração é entendida, mas como contrapontos ou mecanismos que nos obrigam a considerar, de novo, a materialidade tangível das páginas do livro que temos nas mãos. Enfim, é um entendimento mais desenvolto do que pode ser a ideia da ilustração, da imagem, aquela frase já citada de Tsviétaieva.

A sua qualidade plástica – portanto, sempiternamente moldável – de fragmentação, de fiapos combinados, não nos permite uma nítida apreciação do “esplendor” (etimologicamente, o “brilho”) da matéria original, mas força esses troços a transformarem-se em interpelantes objectos, a istos de onde tiramos aquilos, que não cessam de nos interrogar. Como, num outro poema de Rui Pires Cabral em Oráculos, aquelas “Sombras e fantasmas,/coisas que não chegam a durar um verão/e falam connosco o resto da vida”.

Pedro Moura (blog Ler BD)

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